Relatório da ONU sobre os direitos humanos insta a uma reforma abrangente do sistema de saúde na Guiné-Bissau

O relatório da ONU, que foi divulgado este mês em Genebra, na Suiça (Europa), e lançado na sexta-feira, em Bissau, revela que a implementação do direito à saúde na Guiné-Bissau enfrenta enormes desafios e pede uma reforma abrangente do sistema de saúde local.

previous next
13 jun 2017

Relatório da ONU sobre os direitos humanos insta a uma reforma abrangente do sistema de saúde na Guiné-Bissau

Segundo o documento, questões como a “instabilidade política, a pobreza endémica, défices de prestação de contas, o acesso a alimentos, educação, água potável, saneamento, e um sistema de saúde carecente de reformas, levam à violações do direito à saúde, particularmente, no tocante à saúde materna e infantil, saúde sexual e reprodutiva, VIH/SIDA, tuberculose e malária”.

O relatório elaborado pelo Gabinete Integrado das Nações Unidas de Apoio à Consolidação da Paz para a Guiné-Bissau (UNIOGBIS) e o Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH), apesar de reconhecer melhorias nos últimos anos, faz uma série de recomendações voltadas à uma reforma abrangente do sistema de saúde no país, inclusive a melhoria da monitorização e responsabilização.

O estudo se refere igualmente à altas taxas de mortalidade materno-infantil na Guiné-Bissau, designadamente, em 2016, em que essa taxa atingiu 60,3 por 1.000 nados vivos. Em 2015, a da mortalidade materna se situou a 549 óbitos por 100 mil nados vivos – situando-se assim entre as piores do mundo.

Da mesma forma, a indisponibilidade dos serviços de saúde é outro enorme desafio para o país, que possui apenas três pedíatras, mas todos eles expatriados, para uma população de cerca de 720 mil crianças menores de 15 anos. Ainda, em termos de pessoal médico e para-médico, existem somente quatro obstétras, 34 parteiras qualificadas e um anestesista em todo o país, para uma população de cerca de 1.888 milhões de pessoas.

O relatório traz também em foco a problemática de escassez de escolas de medicina, acrescida àquilo que chamou de "fuga de cérebros", isto é, de médicos diplomados para o estrangeiro em cata de melhores rendimentos salariais e condições de vida. Aqueles médicos que decidiram permanecer por cá, vivem e trabalham em áreas urbanas, enquanto 50 por cento da população é deixada nas áreas rurais sem acesso a cuidados de saúde.

Depois, o estudo fala da séries de greves no setor de saúde em 2016 – março e maio, enquanto 24 pacientes morriam por incapacidade de profissionais de saúde em lidar com as demandas. Para o documento, isto constitui exatamente, uma violação dos direitos individuais à vida e à saúde”. A isto se acresce também a discriminação assente no género, a ausência de mecanismos que apoiem a reivindicação dos pacientes lesados, entre outros.

No encontro, decorrido no salão nobre do Ministério dos Negócios Estrangeiros e presenciado pelo ministro do Estado da Energia, Florentino Mendes Pereira, Modibo Touré, Representante Especial do SG da ONU para o país, lembrou que durante a divulgação do relatório na capital suiça,  o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos., Zaid Ra’ad Al Hussein, ressaltou o dever do Estado em garantir o direito à saúde e convidou os doadores internacionais a continuarem a apoiar a Guiné-Bissau na sua caminhada para a plena realização do direito à saúde de seus cidadãos.

Em 2009 e 2013, o Comité da ONU para Eliminação da Discriminação copnmtra as Mulheres e o Comité da ONU para os Direitos da Criança, analisaram a situação de direitos humanos neste país tendo em consideração ops compromissos do país aquando da ratificação da Convenção sobre os a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as mulheres em 1985, e da Convenção dos Direitos da Criança, em 1990.

“Temos hoje a oportunidade de analisar as recomendações que foram formuladas e refletir sobre em que medida essas recomendações foram implementadas ou, ainda, requerem a atuação do Estado, propondo planos de ação para a sua plena implementação”, afirmou o representante da ONU.

Também, em 2015, o país participou do Exame Periódico Unieversal, do Conselho de Direitos Humanos da ONU, entrando num diálogo interrativo com diversos países sobre a situação de direitos humanos e dando-lhes a oportunidade de apresentar recomendaqções à Guiné-Bissau, referiu Modibo Touré, adiantando qu7e o mecanismo de revisão Periódica Unieversal é um importante utensílio de acompanhamento da implementação de direitos humanos pelos Estados membros das Nações Unidas. 

Em termos gerais, o relatório recomenda, entre outras coisas, que o Governo guineense “deve continuar a enfrentar os principais desafios do Sistema Nacional de Saúde, incluindo a disponibilização de infra-estruturas, bens e serviços de saúde”; acessibilidade económica, física e de informação; e para aprimorar a recolha de dados a fim de informar melhor o planeamento em saúde. A educação em saúde, entre outras coisas, requer especial atenção, inclusive abordagem das lacunas na prática e no conhecimento em saúde, bem como as limitações em termos de recursos humanos.

O Estado deve adotar novas medidas para ratificar os protocolos facultativos ao Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), à Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC) e à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD), todos relativos à competência do respectivo órgão de tratado para receber comunicações individuais, inclusive sobre o direito à saúde. Recomenda-se também que o Estado ratifique o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos, para garantir o acesso a mecanismos alternativos através dos quais os cidadãos podem apresentar queixas no caso de violações do direito à saúde.

O Estado também deve continuar a tomar medidas para implementar as recomendações feitas à Guiné-Bissau sobre a realização do direito à saúde por outros mecanismos internacionais de direitos humanos, como o Relator Especial sobre a pobreza extrema e os direitos humanos, o Comité dos Direitos da Criança e o Comité para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. Em conformidade com as recomendações do Comité dos Direitos da Criança, o Estado deve ratificar a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, entre outras, para criar uma política abrangente de direitos da criança e uma estratégia para sua implementação, incluindo a proteção do direito à saúde de todas as crianças na Guiné-Bissau. A Comissão Nacional de Direitos Humanos deve monitorar o estado de implementação de todas as recomendações feitas pelos mecanismos internacionais de direitos humanos.

Também, no sentido de fortalecer o quadro jurídico, político e institucional que afeta o direito à saúde, recomenda-se ao Estado:

- Assegurar a inclusão de todos os determinantes da saúde (por exemplo, os determinantes sociais da saúde, bem como as barreiras estruturais e administrativas) na formulação de políticas e planeamento para garantir a realização do direito à saúde na Guiné-Bissau. Em particular, o Estado deve elaborar um plano através do qual todos os postos de saúde e tabancas recebam progressivamente acesso a água potável e segura, instalações sanitárias, eletricidade e outros serviços essenciais.

- Tomar medidas para assegurar a adesão consistente ao Decreto de Vigilância e Resposta de Morte Materna (MDSR), que deve informar decisões políticas e estratégias para abordar sistematicamente todas as causas de mortes maternas em todo o país.

- Adotar legislação e políticas relativas à saúde e direitos sexuais e reprodutivos, para garantir o acesso confiável de todos os indivíduos a anticonceptivos, serviços de aborto e cuidados pós-aborto que sejam seguros, acessíveis e eficazes.

- Abster-se de qualquer interferência política com a administração médica, incluindo o encerramento de nomeações com motivação política e estabelecer um sistema de auditoria externa periódica das despesas de saúde.

- Desenvolver uma Carta de Direitos do Paciente fundada no direito dos direitos humanos e normas internacionais para o uso de todas as instalações de saúde em todo o país.

- Estabelecer um mecanismo nacional através do qual os pacientes e outros atores possam apresentar queixas em caso de maus-tratos no sector de saúde.

- Assegurar que as responsabilidades e as atividades do MINSAP e do INASA estejam claramente definidas, e confirmar a extensão da autoridade de cada órgão para agir no âmbito de esforços de saúde pública que possam limitar os direitos humanos, isto é, em caso de epidemia.

- Assegurar que as pessoas privadas de liberdade tenham acesso a cuidados de saúde, entre outros, assegurando a implementação das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras Nelson Mandela), adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 2015 e da legislação nacional relativa ao tratamento dos detidos (Decreto 12/2011 de 3 de Fevereiro de 2011).