Dia dos Direitos Humanos: Guiné-Bissau cria rede de defensores de direitos humanos, população diz que responsabilização é obstáculo ao gozo dos direitos

A Casa dos Direitos, em parceria com diferentes organizações nacionais e internacionais que intervêm na defesa dos direitos humanos na Guiné-Bissau, promoveu uma Quinzena de promoção dos direitos humanos, no âmbito da celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se assinala a 10 de dezembro.

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14 dez 2017

Dia dos Direitos Humanos: Guiné-Bissau cria rede de defensores de direitos humanos, população diz que responsabilização é obstáculo ao gozo dos direitos

A Quinzena arrancou no dia 1 de dezembro e terminou dia 15. Foi marcada por uma série de atividades, que incluiu o lançamento da Rede nacional de defensores dos Direitos Humanos que congrega já 43 organizações. O objetivo da rede é dar "toda proteção possível às organizações e pessoas que têm sido alvo de ataques do poder civil do Estado, do poder militar ou das próprias comunidades.”, explicou o jurista Fode Mané, presidente da rede.

A chefe da Secção de Direitos Humanos do UNIOGBIS e representante do Alto Comissario da ONU para os Direitos Humanos na Guiné-Bissau, Mireya Peña-Guzman,  saudou a iniciativa dos ativistas guineenses pela criação da RNDDH.

Segundo Mireya Guzman, o último relatório das Nações Unidas, publicado em janeiro, sobre os defensores dos direitos humanos no mundo alertava para a "indignação perante os ataques" aos ativistas desta causa.

No dia 5 de dezembro, a Casa dos Direitos, que agrupa as ONGs que trabalham na área dos direitos, juntou o vice-presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Fernando Sá, o administrador da Associação dos Amigos da Criança, Fernando Cá e a Aissatu Injai Camará, da Rede Nacional de Luta contra a Violência na Mulher (RENLUV) num debate sobre os direitos da mulheres e raparigas neste país.

O objectivo foi alertar a sociedade para os vários casos de violência que os homens fazem contra as mulheres, em particular o casamento forçado que é uma das violações de direitos mais frequentes na Guiné-Bissau.

Do debate transpareceu a ideia unânime da plateia, segundo a qual, “esforços titânicos” têm sido feitos na denúncia de factos lesivos aos direitos elementares quer da mulher, quer da criança e raparigas, mas a conjuntura política tem impedido a aplicação das leis.

O país registou alguns avanços significativos no combate à violência contra as mulheres ao aprovar em 2011, uma lei que proíbe a excisão na mulher, a lei de saúde reprodutiva, e uma outra, em 2014, contra a violência doméstica. Mas nenhuma destas leis está a ser aplicada verdadeiramente, de modo a dissuadir os perpetradores.

Falta de responsabilização é o maior obstáculo à realização dos direitos humanos

O UNIOGBIS/PIU foi saber junto da população de São Domingos (norte), Buba (sul) e Bafatá (leste) o que consideram se o maior problema de direitos humanos na Guiné-Bissau. Alguns entre nossos inquiridos, estimaram que, no passado, os cidadãos registaram algum respeito pelos direitos humanos, que deixaram de existir na presente conjuntura política. A falta de responsabilização foi apontada como um dos maiores problemas.

“As pessoas nunca são responsabilizadas pelas suas ações. Temos tido informações sobre denúncias de corrupção no aparelho do Estado, intimidações e espancamento de manifestantes, e isso é o que tem estado a atentar negativamente contra a afirmação dos direitos humanos no país quando é certo que a constituição diz outra coisa”, referiu um habitante de São Domingos.

 “A nossa constituição reserva aos cidadãos o direito de manifestar livremente as suas ideias, opiniões sem ser que tal não lhe seja impedido por quem quer que seja. Mas, nas últimas, eu participei em manifestações em Bissau, onde fomos dispersados e maltratados pelas forças da ordem”, afirmou outro habitante de São Domingos.

Na mesma cidade, um cidadão acusou a ausência da justiça como o que está na origem de toda a situação: “a marcha só se realiza na cidade de Bissau, ela nunca foi feita no interior do país. E, por questões políticas, quando numa manifestação em Bissau as pessoas são maltratadas e espancadas, já no interior, as pessoas serão talvez mortas e deitadas à palha. Eu acho que a comunidade internacional deve fincar seus pés e dizer à Guiné-Bissau – tu assinaste (a declaração), teu dever agora,é respeitar o que assinou”, pensou.

Em Buba, Mamadou considera que os portadores de deficiência são aqueles cujos direitos são mais desrespeitados: “ao nível nacional, nós constituímos a camada que mais violência e maltratos recebem”. Uma senhora, também de Buba, disse que  “os problemas de direitos humanos mais graves na Guiné-Bissau ocorrem no setor da educação, onde os professores trabalham sem receberem seus salários e a greve nas escolas (públicas)continua até este momento. Outros factos graves são quando agentes da POP fazem a justiça com as suas próprias mãos, a falta de água potável e insuficiência sanitária”.

Fraco acesso à justiça foi também referido por um jovem da vila de Buba, segundo quem, “a distância e o custo de um processo acaba por desencorajar qualquer tentativa em fazer valer os direitos dos cidadãos.”

“Na região de Bafatá, o problema mais candente tem a ver com a mutilação genital feminina, que as pessoas continuam a praticar de forma discreta, as raparigas continuam também a ser impedidas de ir à escola por causa do casamento forçado e, na época de colheita da castanha de caju, as meninas e os rapazes são envolvidos em campanhas”, denunciou uma rapariga de Bafatá, onde, segundo ela, “os homens abusam muito nas mulheres com a alegação de que as mulheres não devem discutir com os homens, e, que, a palavra em casa, pertence ao homem”.